Falar do perdão quando se trata da vida dos outros é sempre mais confortável. Falar da minha necessidade de perdoar a qualquer um que me cause o mal e o sofrimento é sempre mais complicado, mas graças a Deus, o perdão é possível quando deixamos que a Sua graça nos alcance.
Tenho visto muitas pessoas machucadas e marcadas por uma profunda dor por terem sido vítimas da calúnia, da violência, do mal provocado a alguém que amavam, como ainda pela traição, pela perseguição e pelo desprezo. Este sofrimento pode ter suas diversas origens. O fato é que essas pessoas teriam “motivos evidentes” para não perdoarem, mas deram um sentido ao sofrimento. Uniram-no ao sacrifício de Cristo e à misericórdia de Deus que perdoou a nós quando entregou Seu Filho para morrer por todos os justos e injustos.
Lembro-me sempre nessas horas de Maria ao ver tudo o que acontecia com Seu amado Filho no pretório e nos corredores de Jerusalém. Lembro do seu olhar às pessoas que pediam a morte do Seu Filho e da sua presença cheia de esperança, sem nenhuma mágoa no coração, aos pés da cruz, contemplando tamanha barbaridade, mas com o coração confiante e nisericordioso. Lembro também do Papa João Paulo II, entrando na penitenciária para perdoar seu agressor, o qual tentou matá-lo com um tiro. Lembro de tantas pessoas que se libertaram do ódio, da mágoa, da revolta, e foram capazes de perdoar o seu agressor ou de quem amavam. Lembro da minha mãe, de muitos irmãos de comunidade e de mim, quando em tantas situações o amor prevaleceu.
Isso não acontece por nossas forças, é preciso ter um sentido maior e deixar o coração ser preenchido pelo amor de Deus. Só Deus pode nos fazer capazes de entrar em nós mesmos e nos fazer descobrir que somos pecadores capazes do pior. Só o encontro com o Seu olhar misericordioso pode nos fazer soltar nossas pedras de acusação ao outro, caso contrário, tornar-nos-emos juízes implacáveis de nós mesmos e dos outros. Não esqueçamos: muitos dos que praticam o mal já são por demais pessoas vazias e sofrem a amargura de terem suas vidas levadas sob a onda dos impulsos e de todas as suas mazelas. Dentre muitas prisões do coração do homem, temos o ciúme doentio, a inveja, a cobiça, o tédio, a solidão, as frustrações, a idolatria ao ter, ao poder, ao prazer, a escravidão da estética e até do saber!
Nossa sociedade moderna produz em massa pessoas doentes, fracas emocionalmente, solitárias, dependentes de todas as formas de escravidão e sem perspectiva de felicidade e de vida com Deus. Temos tudo e falta-nos tudo; falta o amor, o diálogo, o desprendimento do que é transitório para se dar aos outros. Falta-nos as disposições para a renúncia, o esquecimento de si até o ponto de exercer o amor de forma gratuita e capaz do sacrifício pelo outro; falta-nos Deus, o Deus de Jesus Cristo – “rico em misericórdia” (Ef 2,4) -, único capaz de transformar radicalmente nossas vidas e nos conduzir ao perdão, ao bem e à felicidade.
Lembremos que hoje predomina a facilidade de julgar e condenar, mas nós cristãos carecemos de uma reflexão e do esforço auxiliado pela graça de Deus, que permita o Evangelho ter a força de provocar em nós sincero arrependimento e decisão em perdoar ou pedir perdão. É diante do erro dos outros ou dos nossos que mostramos quem realmente é Cristo para nós. Evidentemente falar é sempre fácil, viver é bem mais difícil, mas temos que lutar pra vencermos a vida velha em nós, aqueles entraves do coração que nos desfiguram quando não os colocamos aos pés da cruz de Cristo. Digo mais uma vez: A graça de Deus precisa da nossa colaboração em “querer perdoar”, mesmo que nos pareça impossível. Se não temos ainda este querer, peçamos a Deus que aja na dureza do nosso coração. O perdão tem a força de restaurar uma vida, de restabelecer a paz na família e na relação. O perdão dado e recebido nos conduz outra vez para a feliz vida de amizade com o Senhor.
A cultura da violência tem gerado pessoas cada vez mais “stressadas” e nervosas. Um simples motivo de discursão é motivo de brigas, perseguições, traições, abandono da relação e ainda a prática da violência. Mas também existem os problemas bem maiores, presentes na nossa história de vida, nas nossas famílias, ambientes de trabalho e relacionamentos diversos. No entanto, o perdão é sempre possível porque “Aquele que habita em mim é maior do que aquele que está no mundo” (cf. I Jo 4,4). A verdadeira liberdade e unidade dos filhos de Deus passa sempre pela vida nova que nasce com o verdadeiro arrependimento fruto de um encontro entre o meu “nada” e o “tudo” de Deus, que é amor (I Jo 4,8). É este e neste amor somente que podemos perdoar os nossos irmãos.
Deus é a nossa garantia de que o amor vence o ódio. A última palavra de Deus é a sua misericórdia. Todos nós somos de certa forma, Davi e Natã, “acusados e acusadores”, mas a medida do amor, da justiça e da misericórdia só Deus pode nos dá. Não somos nós com a nossa limitada visão de justiça e santidade, a medida da inocência ou da culpa dos outros. “É a misericórdia que eu quero, e não o sacrifício” (Mt 9,13; 12,7). Que o Senhor nos conceda esta graça e Nossa Senhora interceda por nós. O perdão é sempre possível!Assim seja!
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