sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Divagações de viagem


Havia um jornal esquecido sobre um banco na estação. Acho que eram cinco ou seis da tarde. Um vento fresco e agradável soprava com força, causando-me uma sensação maravilhosa de conforto e liberdade. Para mim é sempre maravilhoso desfrutar do frescor da estação. Por isso eu nunca tenho pressa para que o trem chegue. Enquanto estou na estação posso observar os pássaros, os pombos que se aninham nas vigas e refletir sobre a liberdade, essa liberdade-escravidão, porque ao mesmo tempo liberta e aprisiona. Pois se por um lado as aves voam para onde querem, por outro nunca têm um lugar certo para dormir, não têm outra escolha senão passar a noite ao relento. Elas estão sempre presas às sua própria liberdade. Por isso às vezes eu prefiro ser cativo. Prefiro a segurança de não poder voar.

O trem chegou. Olhei para um lado e para o outro para ver se o dono do jornal apareceria e como ninguém se manifestou, eu o peguei e embarquei. Naquele horário não havia muitas pessoas no metrô. Assim, escolhi um lugar na parte de trás do vagão e sentei junto à janela. Assim que o trem entrou em movimento, minha mente pareceu ter feito o mesmo. Observei o mundo a se mover lá do lado de fora e senti o movimento e as vibrações agitarem meu corpo. Pus-me então a pensar na vida. Foi por isso que eu escolhi aquele lugar do vagão. Era um lugar em que eu podia ficar sozinho para pensar, sem ninguém para me distrair, sem ninguém para interromper meus pensamentos. Eu estava triste, meu peito doía por dentro. Queria pensar em algo que me fizesse esquecer meus problemas. Ou talvez apenas observar as pessoas, tentar descobrir o que estão sentindo apenas lendo seus gestos e seu comportamento. Gosto de tentar ler as mensagens que seu comportamento transmite.

O vagão estava quase vazio. Havia apenas seis pessoas. Uma moça sentada sozinha, aparentemente triste, com a cabeça recostada sobre o vidro da janela; um jovem casal de filhos, a mulher com a cabeça repousando sobre o ombro do homem, o homem parecendo um tanto indiferente à mulher; dois rapazes, aparentemente amigos, conversando sobre assuntos banais lá na parte da frente; e um homem aparentemente nos seus trinta e cinco anos, sentado sozinho, segurando uma sacola de frutas entre as pernas. Como não encontrei nada de interessante naquelas pessoas, decidi voltar meus olhos para o mundo lá fora, o mundo que se movia diante dos meus olhos.

Chegamos à estação seguinte e quando as portas se abriram, outras pessoas embarcaram. Uma senhora pequena e magra, aparentando seus sessenta e poucos anos, veio e se sentou também na parte detrás do vagão, mas no lado oposto ao meu. Tinha um sorriso permanente, como se dormisse e acordasse sempre sorrindo. Parecia ser uma mulher muito simpática. Seu ar meigo me fazia lembrar a minha avó, que faleceu há poucos anos. Fez me sentir saudades dela. Pobre velinha... Não pude deixar de observá-la, mas logo que percebi que também olhava para mim, voltei os meus olhos para o jornal que eu tinha nas mãos. Não queria que ela tivesse algum motivo para iniciar uma conversa comigo. Não gosto de conversar. Não queria conversar com ninguém naquele momento. Queria apenas ficar só com os meus pensamentos.

Na estação seguinte mais pessoas entraram no trem. A velhinha saiu então de onde estava e veio sentar-se ao meu lado. "Oh, não!", pensei. "Por que ela simplesmente não fica onde estava!?". Continuei agindo como se não houvesse mais ninguém ali. Ela também ficou em silêncio por um tempo, mas olhava insistentemente para o jornal que eu estava lendo. O ar sorridente não saía de seu rosto. A mulher irradiava alegria e serenidade. Ela então me ofereceu um doce, que eu gentilmente recusei. Depois se manteve em silêncio por mais uns dois minutos, mas logo em seguida voltou a falar. A princípio eu me senti incomodado com a presença daquela mulher. Mas depois de algum tempo comecei a prestar atenção às suas palavras e por fim acabei me interessando pelo que ela dizia.

- Vê aquela família ali na frente? O menino parece querer falar, mas seus pais não lhe dão a menor atenção. Faz um bom tempo que estão conversando sobre suas coisas bobas de adultos e não percebe que o menino pode ter algo grandioso para dizer, algo que talvez supere toda a sabedoria dos adultos. Mas o que aconteceria se esses adultos então parassem e resolvessem escutar o que o menino tem a dizer, e descobrissem a magia das coisas, os grandes segredos que só as crianças conhecem? Não, isso jamais acontecerá... Bobagem

Lembrei-me de quando eu era criança. Eu podia ouvir a voz dos pássaros. Podia compreender as vozes da natureza. Podia entender o sentido de coisas que hoje eu não compreendo. Tudo que aquela senhora dizia fazia muito sentido. E o que ela dizia me fazia sentir muito feliz. Ela, no entanto, parecia nem se importar se eu estava prestando atenção ou não, como se não falasse comigo, mas consigo mesma.

- Está vendo o sol se pondo lá no horizonte? O ocaso é muito bonito, não é mesmo? Mas é também triste... Parece que o sol está morrendo lentamente, sendo sugado pouco a pouco pelo horizonte assassino, até desaparecer por completo. O céu, por sua vez, parece se consternar pela morte do sol e então se cobre de luto. O negror da noite parece o luto pela morte do sol. Parece a tristeza do céu pelo sol que se foi. O que me conforta, no entanto, é saber que o sol não morre. Ele está vivo lá do outro lado do mundo. Ele está iluminando o céu de outro lugar. O sol não morre, porque a morte não existe. As pessoas também não morrem. Assim como sol, os que partiram deste mundo estão brilhando lá nossos pensamentos, na nossa imaginação, nos momentos que recriamos na nossa mente os fatos que passamos juntos com aqueles que já se foram, isso pode ser considerado como lá do outro lado da vida. È por isso que eu gosto do ocaso. Porque sempre que eu vejo o ocaso eu me lembro de que não existe a morte. Não quando aqueles que já se foram estão em nossos corações, pensamentos e imaginação.

Como eu queria ter anotado tudo aquilo que ela disse! Cheguei a pegar um pedaço de papel e uma caneta para tentar escrever. Não consegui escrever nada. O balanço do trem não me deixou escrever. Assim é a minha vida, cheia de turbulências, cheia de solavancos, que me impedem de escrever as linhas da minha história em linhas perfeitas, precisas, com letras bonitas e bem desenhadas... Minhas linhas saem tortas, como as linhas que comecei a traçar naquele pedaço de papel. Desisti de escrever. Chegou à estação terminal. A viagem foi rápida demais. Queria ouvir um pouco mais aquela velinha. Mas ela já se preparava para se levantar. Antes de sair ela apontou para o jornal que estava na minha mão e disse "Muito obrigada por me ouvir, rapaz. Eu estava precisando muito de alguém para conversar. Você me lembra muito o meu neto, esse rapaz que está aí na foto no seu jornal."

Quando ela se foi, eu olhei para o jornal e vi na primeira página a foto do neto daquela mulher. A matéria dizia que ele havia sido assassinado por bandidos havia poucos dias... Aprendi que sábias são pessoas como aquela senhora, que sabem sorrir mesmo em meio à dor e ao sofrimento. Pessoas que não sentem pena de si mesmas, que não culpam os olhos por seus problemas. Sábias são pessoas como ela, que mesmo depois de uma grande tragédia conseguem enxergar a beleza das coisas. Desci do trem, deixei aquele jornal sobre um banco qualquer na estação e segui meu caminho, pensando nas palavras daquela velha senhora e tentando ouvir a voz de minha própria alma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário