terça-feira, 18 de junho de 2013

APRENDIZADOS Sim, hei de aprender a andar na corda bamba sem rede de proteção. Hei de aprender a me despenhar entre onda e estrela. A dançar em volta de fogueiras. Hei de aprender o amor, seus meandros, porque o amor é bom e o bom se faz belo. Saber mais: ninguém chega completo a um amor, porque é o amor que é coisa de completar. Hei de saber que há vazios infinitos dentro de cada um, vazios que não serão habitados e permanecerão e nos ultrapassarão, se é que algo realmente nos ultrapassa, além do nosso próprio coração. “Nosso coração nos ultrapassa sempre”. Hei de aprender que a vaidade é um exílio e um labirinto. É um lugar difícil de sair, e que pode ser o inferno. Hei de aprender que existe mãe para tudo e que a mãe de tudo não é mais, nem menos, que um estrondo. Sim, aprender sobre a mãe do ouro e da água. A minha. Orê Yeyê ô! Hei de aprender a falar inglês. Saberei não precisar de talismãs. Hei de aprender que ídolos de carne só não têm pés de barro porque o criacionismo é um equívoco. Se não fosse, os ídolos teriam todos os pés de terra e seriam derrubados à mínima aproximação. Hei de pertencer a uma tribo. Mas também hei de experimentar a solidão mais ampla, a de estar profundamente sozinha entre milhares. Hei de aprender o destino das velas: não cessar de arder, até o último suspiro, a última gota de fogo. Aprenderei, um dia aprenderei, a perdoar. Algum dia saberei partir, desapegar-me. Algum tempo haverá, de desaprender saudades. Aprenderei que mentiras, às vezes, são formas disfarçadas de verdades. Hei de saber mentir e jejuar. Saberei a diferença entre as serpentes venenosas e as que não contêm veneno. E entenderei porque a alguns só cabe o destino de serem indefesos, enquanto outros vêm ao mundo destilando seivas letais. Hei de compreender as obscuras razões das mulheres que trabalham com os atiradores de facas. E as mais obscuras razões dos atiradores de facas. Hei de aprender a andar de patins e gostar de banhos de mar. Hei de saber que a melancolia não é para ser sentida, mas para ser descrita. Aprenderei a não chorar quando cortar as próximas cebolas. E aprenderei a dormir quando tiver sono, como quem põe panos quentes sobre as ansiedades. Mas não quero aprender a por compressas nas felicidades latejantes. carmen vasconcelos

Foto: APRENDIZADOS

Sim, hei de aprender a andar na corda bamba sem rede de proteção.
 Hei de aprender a me despenhar entre onda e estrela. A dançar em volta de fogueiras.
 Hei de aprender o amor, seus meandros, porque o amor é bom e o bom se faz belo.
Saber mais: ninguém chega completo a um amor, porque é o amor que é coisa de completar.
 Hei de saber que há vazios infinitos dentro de cada um, vazios que não serão habitados e permanecerão e nos ultrapassarão, se é que algo realmente nos ultrapassa, além do nosso próprio coração. “Nosso coração nos ultrapassa sempre”.
 Hei de aprender que a vaidade é um exílio e um labirinto. É um lugar difícil de sair, e que pode ser o inferno.
 Hei de aprender que existe mãe para tudo e que a mãe de tudo não é mais, nem menos, que um estrondo.
 Sim, aprender sobre a mãe do ouro e da água. A minha. Orê Yeyê ô!
 Hei de aprender a falar inglês.
 Saberei não precisar de talismãs.
 Hei de aprender que ídolos de carne só não têm pés de barro porque o criacionismo é um equívoco. Se não fosse, os ídolos teriam todos os pés de terra e seriam derrubados à mínima aproximação.
 Hei de pertencer a uma tribo. Mas também hei de experimentar a solidão mais ampla, a de estar profundamente sozinha entre milhares.
 Hei de aprender o destino das velas: não cessar de arder, até o último suspiro, a última gota de fogo.
 Aprenderei, um dia aprenderei, a perdoar.
 Algum dia saberei partir, desapegar-me. Algum tempo haverá, de desaprender saudades.
 Aprenderei que mentiras, às vezes, são formas disfarçadas de verdades.
 Hei de saber mentir e jejuar.
 Saberei a diferença entre as serpentes venenosas e as que não contêm veneno.
 E entenderei porque a alguns só cabe o destino de serem indefesos, enquanto outros vêm ao mundo destilando seivas letais.
 Hei de compreender as obscuras razões das mulheres que trabalham com os atiradores de facas. E as mais obscuras razões dos atiradores de facas.
 Hei de aprender a andar de patins e gostar de banhos de mar.
 Hei de saber que a melancolia não é para ser sentida, mas para ser descrita.
 Aprenderei a não chorar quando cortar as próximas cebolas.
 E aprenderei a dormir quando tiver sono, como quem põe panos quentes sobre as ansiedades.
 Mas não quero aprender a por compressas nas felicidades latejantes.

carmen vasconcelos

por
maria estela

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