"Minha mãe, pra mim, é sol mesmo quando
chove. É chuva, com direito a cheiro de terra molhada do quintal lá de
casa, quando tudo fica árido. Silêncio capaz de amansar ruídos que eu
não sei como fazer dormir. Voz que me ajuda a acordar esperanças
quando elas ficam com preguiça de levantar. Uma presença que sabe
acender o meu ânimo quando o breu se esparrama. Primavera para o meu
olhar, não importa qual seja a minha estação. Um perfume inigualável. Ela
e as coisas todas do mundo dela. Quando chega, traz lembranças minhas
que apenas ela reflete e apenas eu consigo ver. Uma espécie de poema que
o sentimento lê em voz alta somente para dentro.
Minha mãe é maciez pra minha alma quando a vida se faz áspera e quando não. Um
lugar de conforto, onde eu posso ser. Amor, quando as minhas folhas
caem e quando floresço. A mesa sempre posta, até quando sinto fome
apenas de lembrar quem sou.
Parece ser especialista em previsões
climáticas. Chove, quando não lembro do chapéu e ela diz pra eu não
esquecer. Faz um frio absurdo, de repente, quando não levo o casaco e
ela diz pra eu levar. Geralmente costuma doer quando alerta que vou me
machucar e eu não ligo. [...] Mas a verdade é que mãe parece mesmo ter
um olhar diferente. Capaz de ver coisas que quaisquer outros olhos do
mundo não sabem enxergar. Nem os nossos.
Minha
mãe cantou para me fazer adormecer. Ensinou-me, com toda a paciência, a
rezar para o meu anjo da guarda antes de eu dormir e de levantar da
cama. Ensinou-me a respeitar o espaço das pessoas, a ser educada com
gente de toda idade, a ser cuidadosa com as plantas e os bichos, a não
me apropriar de nada que não me pertencesse. De mãos dadas, seguíamos
pelas ruas e seguir de mãos dadas com ela pelas ruas era uma espécie de
festa que acontecia toda manhã. Encapava meus cadernos. Perguntava o que
havia acontecido na escola quando percebia que eu havia chorado, mas
não contava para ela. De vez em quando, me surpreendia com meus lanches
preferidos enquanto eu assistia "Sessão da Tarde": bolo "Ana Maria"...
bolinhos de chuva.[...] E quando eu sentia cólicas terríveis, lá estava
ela, com seu chá de erva-cidreira e as toalhinhas quentes que passava a
ferro para pôr sobre a minha barriga. Às vezes é preciso que o mundo dê
algumas voltas e a gente amadureça um pouco para ser capaz de leituras
mais amorosas sobre um bocado de coisas. Leituras com braços e coração
mais abertos..."
[Ana Jácomo]
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